Cúpula entre países árabes e sul-americanos expõe divisão regional em relação a Bashir, indiciado pelo TPI
Jamil Chade, de O Estado de S. Paulo
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A cúpula ainda teve outro momento de constrangimento: assim que Lula iniciou seu discurso, o presidente da Líbia, Muamar Kadafi, se levantou, abandonou a sala e deixou Doha, sem dar explicações. Se Lula evitou tomar uma posição pública e até mesmo de estar ao lado de Al Bashir, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, convidou Al Bashir para visitar Caracas. Para ele, Shimon Peres, de Israel, e o ex-presidente americano George W. Bush deveriam ser presos por "genocídio."
Chávez alegou que a soberania dos países e a imunidade dos presidentes não poderia ser violada, recomendando o Brasil a também condenar o tribunal. "O Brasil deveria se sentir atropelado, como a Venezuela e Terceiro Mundo por essa decisão", disse. Os países árabes haviam adotado na segunda-feira uma resolução rejeitando o mandado de prisão contra Al Bashir.
A ONU estima que os conflitos em Darfur já mataram 300 mil pessoas. Para os árabes, o próximo passo seria o de tentar convencer os sul-americanos a também apoiar uma ideia similar. Mas Al Bashir sequer chegou a fazer o pedido de apoio ontem e se limitou a dizer que "tem imunidade". A lei entre os sul-americanos era de evitar o tema. Mas o Palácio do Planalto foi surpreendido.
Lula, ao chegar para o almoço oficial entre os presidentes da cúpula, se deu conta que estava sentado ao lado de Al Bashir. O sudanês estava atrasado. Mas Lula não perdeu tempo. Comeu apenas a entrada e, ao ver a chegada do presidente do Sudão, se levantou, cumprimentou o líder indiciado e alegou que precisava sair para atender a uma ligação. Não voltou mais.
O Itamaraty garantiu que Lula não trocou uma palavra sequer com o líder sudanês. Oficialmente, o Palácio alega que Lula queria descansar para poder enfrentar as reuniões da parte da tarde. A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, também deixou o almoço, mas já perto de seu final. A Argentina está julgando ex-generais que cometeram crimes durante a Ditadura. Jorge Taiana, chanceler argentino, explicou que o país "respeitava o sistema internacional", insinuando um apoio ao TPI. Mas Lula também evitou falar com a imprensa e ter de responder a perguntas sobre Al Bashir.
REPÚDIO CHILENO
O Itamaraty apenas avisou que o presidente havia deixado o centro de conferências depois da partida de seu comboio ao aeroporto. O Brasil ratificou o TPI, mas até hoje não se pronunciou sobre Al Bashir. O chanceler Celso Amorim afirmou que o tema do sudanês não estava na agenda. E confessou que esperava que não entrasse. Michelle Bachelet, presidente do Chile e que teve seu pai morto pela Ditadura, foi explícita em sua posição e deixou claro que não compartilhava da posição de Chávez ou dos árabes.
"O Chile foi um dos países que impulsionaram o TPI. Pela nossa própria experiência, há momentos que a soberania de um país não basta. Há valores que são universais, que são o dos direitos humanos", disse Bachelet, que também foi presa pelo regime de Augusto Pinochet. Francisco Santos, vice-presidente da Colômbia, confessou ao Estado que não aceitaria entrar na foto oficial do evento se Al Bashir estivesse nela. Sem explicações, o sudanês não apareceu para a sessão de fotos.
O encontro terminou com uma declaração que apenas pede que o processo de paz em Darfur seja mantido e fortalecido. O TPI sequer é mencionado diante da oposição de alguns governos sul-americanos. Mas Chávez fez questão de defender o sudanês, comparando seu sofrimento a dos palestinos. "Dou meu apoio pleno a Al Bashir. Bush é o verdadeiro genocida, que invadiu o Iraque e matou crianças. Por isso que digo que o TPI é um resquício do imperialismo. Se Al Bashir cometeu um crime, seria sua justiça que deveria julgá-lo. Não pode haver um poder supranacional. Presidentes tem imunidade", disse.
A regra era não falar sobre o assunto. Os chanceler do Equador e Paraguai se recusaram a falar do assunto ao serem perguntados pela imprensa. Além da companhia de Al Bashir, Lula ainda perdeu um almoço com carneiro, regado á feijão francês. Já o boliviano Evo Morales também acusou os israelenses de genocídio e usou o evento para defender folha de coca. "Isso não é cocaína", completou.
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